reservou para mim uma alma
gêmea, uma tampa de panela, um par complementar que me fará rir a toa,
dançar o Bolero de Ravel ao sol poente, amar acordar cedo às
segundas-feiras. Ou que talvez não venha. Que talvez já tenha morrido
num acidente de carro, ou que talvez morra atropelado um dia antes de me
conhecer. Que talvez chegue um dia depois do meu enfarto fulminante.
Que talvez se apaixone pela minha colega de trabalho e tenha lindos
filhos com ela, sem sequer saber da minha existência. Ou que
simplesmente me veja de moletom, tênis e cabelo desgrenhado no
mercadinho da esquina e me ache desleixada demais para qualquer
envolvimento.
E aí, meus caros, não vai ter happy ending.
O vestido de noiva estilo corselet e saia rodada não sairá do croqui. A
lua de mel em Punta Cana e a casa de veraneio em Paraty ficarão pra uma
próxima. Os planos de um cozinhar e o outro lavar a louça permanecerão
somente no papel. A Lavínia e o Lorenzo morarão eternamente no universo
dos sonhos. O desejo de me trancar num chalé durante um final de semana
inteiro para transar, comer, transar, dormir e transar nunca será
realizado. A fechadura do coração tatuado na panturrilha nunca
encontrará a chave que o abre. E justo ali dentro, guardarei todo o meu
amor, que tantos já recusaram e que certamente daria para alimentar a
Somália inteira. E também uma pontinha de amargura.
Bruna Grotti