sábado, outubro 20

Talvez um verniz caia bem.

Mas no coração, ah, nesse daí não tem verniz que resolva. A cicatriz fica, a lembrança vem qualquer dia desses, a saudade assola no momento mais inoportuno.

Bruna Grotti

O universo

reservou para mim uma alma gêmea, uma tampa de panela, um par complementar que me fará rir a toa, dançar o Bolero de Ravel ao sol poente, amar acordar cedo às segundas-feiras. Ou que talvez não venha. Que talvez já tenha morrido num acidente de carro, ou que talvez morra atropelado um dia antes de me conhecer. Que talvez chegue um dia depois do meu enfarto fulminante. Que talvez se apaixone pela minha colega de trabalho e tenha lindos filhos com ela, sem sequer saber da minha existência. Ou que simplesmente me veja de moletom, tênis e cabelo desgrenhado no mercadinho da esquina e me ache desleixada demais para qualquer envolvimento. E aí, meus caros, não vai ter happy ending. O vestido de noiva estilo corselet e saia rodada não sairá do croqui. A lua de mel em Punta Cana e a casa de veraneio em Paraty ficarão pra uma próxima. Os planos de um cozinhar e o outro lavar a louça permanecerão somente no papel. A Lavínia e o Lorenzo morarão eternamente no universo dos sonhos. O desejo de me trancar num chalé durante um final de semana inteiro para transar, comer, transar, dormir e transar nunca será realizado. A fechadura do coração tatuado na panturrilha nunca encontrará a chave que o abre. E justo ali dentro, guardarei todo o meu amor, que tantos já recusaram e que certamente daria para alimentar a Somália inteira. E também uma pontinha de amargura.

 Bruna Grotti